Homens e mulheres do Cerrado
Nas margens do Rio São Francisco, onde as águas cortam o norte de Minas Gerais, e na área de transição entre o Cerrado e a Caatinga, no oeste da Bahia, habitam os geraizeiros, reconhecidos como agricultores dos planaltos, encostas e vales do Cerrado. A nomenclatura destas populações advém do termo “Gerais”, entendido como sinônimo de Cerrado. Segundo seus moradores históricos, antes não havia referência ao Cerrado, apenas aos Gerais, daí o nome geraizeiros. Muitas vezes eles dividem uma propriedade comum, popularmente chamada de quintal, onde plantam e criam animais. O espaço é solidariamente ocupado, com uma diversidade de culturas produtivas, e as tradições locais selam laços de um comunitarismo único.
Bons conhecedores do Cerrado e das suas espécies, os geraizeiros são populações tradicionais que se adaptaram com sabedoria às características do bioma e às suas possibilidades de produção. Assim, garantem a subsistência familiar e comunitária ao longo do ano por meio do plantio de lavouras diversificadas como milho, feijão, mandioca, frutas e verduras. Os produtos que sobram são comercializados em comunidades vizinhas ou em feiras, beneficiados ou in natura. A criação de animais “na solta” também minimiza os custos e obedece a uma lógica secular que reconhece a capacidade da natureza de alimentar os seus rebanhos.
Com tal filosofia de vida e de produção, as “comunidades dos gerais” resistem à cultura das cercas, à prática da propriedade privada e da monocultura. Estes agricultores e agricultoras, em geral, vivem sobre a mesma terra que seus pais e avós.
Muitos não possuem o título da terra. Isto é utilizado como argumento por parte de grandes empresários do agronegócio nas suas investidas para tentar ocupar os territórios destas comunidades.
Desta forma, tais populações têm os mesmos inimigos que ameaçam a fauna e a flora do Cerrado: a monocultura e as pastagens extensivas. Tais práticas degradam os solos, secam as nascentes dos rios, poluem cursos de água e reduzem as possibilidades de habitar e produzir, o que, consequentemente, diminui as áreas tradicionais dos geraizeiros.
Estes homens e mulheres, por sua vez, resistem se organizando comunitariamente e buscando apoio junto a entidades de direitos humanos e meio ambiente e órgãos governamentais. Suas ações dizem respeito à defesa da própria existência enquanto grupo que compartilha valores comuns e contra a expropriação de suas terras e esfacelamento dos vínculos humanos ali existentes. Mais do que isso, resistem em nome de um modo de vida que respeita a natureza e os seus ciclos.
Referências: Recid, Ocareté e tese Gerais a dentro e a fora: identidade e territorialidade entre Geraizeiros do Norte de Minas Gerais – Mônica Nogueira.