No coração do Brasil
Situado majoritariamente na área central do Brasil, o Cerrado é o segundo maior bioma do país, ocupando mais de dois milhões de quilômetros quadrados, 24% do território nacional.
Sua localização no coração do Brasil metaforiza bem a importância do bioma para o território nacional e países vizinhos.
Além de ocupar grande parte dos estados de Minas Gerais, Tocantins, Goiás, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Bahia, o Cerrado abrange ainda áreas disjuntas no extremo norte do Pará, uma pequena porção do Amapá, Roraima e Rondônia, uma faixa central do estado de São Paulo e uma porção do Paraná.
A extensão do Cerrado se traduz em biodiversidade: é a savana mais biodiversa do mundo com aproximadamente 330 mil espécies de plantas e animais, com um expressivo percentual de espécies endêmicas.
Devido a sua localização, o Cerrado compartilha espécies com os principais biomas brasileiros (Amazônia, Caatinga e Mata Atlântica), o que o torna um dos 25 pontos quentes de biodiversidade (hotspots) no mundo. A região possui aproximadamente 12 mil espécies vegetais, e, segundo dados da Embrapa, podem ser encontradas cerca de 400 espécies de plantas por hectare. Deste solo, brotam mais de 200 espécies medicinais e mais de 400 que podem ser utilizadas de forma sustentável na recuperação de solos degradados ou para alimentação.
A fauna é tão diversa quanto a flora. Estima-se que existam mais de 320 mil espécies de animais, sendo 195 de mamíferos. Há um destaque especial para a diversidade de invertebrados presentes no bioma, mas ainda pouco conhecida. Neste se destacam os insetos, os quais correspondem a 28% da biota existente no Cerrado, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente.
No entanto o modelo de gestão e exploração dos recursos naturais nos territórios que compõem o bioma tem resultado em sérias ameaças à sobrevivência de pelo menos 132 espécies, as quais se encontram ameaçadas de extinção. Dentre estas, a arara azul, o lobo-guará, o tamanduá-bandeira, a aroeira, a braúna e a arnica.
A população do Cerrado tem os traços dos agricultores familiares, das comunidades tradicionais, como quilombolas, geraizeiros, quebradeiras de coco babaçu e de povos indígenas, agrupamentos humanos de profunda sabedoria e respeito ao meio ambiente, com expressivo senso comunitário. Além, claro, das populações urbanas que compõem um rico mosaico de outros tantos traços advindos de origens diversas.
O Cerrado abriga 216 terras indígenas (TIs) e 83 diferentes etnias. No entanto, a grande maioria das TIs não passou por um processo de regularização fundiária. Tal condição resulta em sérios conflitos fundiários, os quais têm sido um dos fatores de ameaça de extinção para diversos grupos indígenas.
No caso de comunidades quilombolas, no Brasil existem hoje cerca de 1700 comunidades certificadas pela Fundação Palmares. No entanto, até 2012, segundo o INCRA, apenas cerca de 200 comunidades tiveram suas terras tituladas. No Cerrado, onde a disputa por terras para a produção de commodities cresce a cada dia, a situação das comunidades quilombolas que aguardam a demarcação e desintrusão de seus territórios é crítica.
Já as demais comunidades tradicionais não contam com nenhum instrumento legal para o reconhecimento de sua propriedade coletiva da terra. Neste contexto, a alternativa que têm encontrado para garantir a manutenção de seus territórios e de seus modos de vida é por meio da demanda de demarcação de Reservas Extrativistas (RESEX) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), instrumentos que muitas vezes não se adéquam à realidade destas comunidades e que também encontram grandes barreiras para sua implementação, além da lentidão dos processos burocráticos para sua efetivação.
O clima do Cerrado é o tropical sazonal, com duas estações bem marcadas: a seca, em geral, entre maio e setembro e a chuvosa, entre os meses de outubro e abril. As temperaturas médias são elevadas e há pouca umidade.
A geografia da região central do Brasil, onde está situada a maior parte do Cerrado, é marcada por planaltos, fazendo com que o bioma tenha papel fundamental para as principais bacias hidrográficas brasileiras e sul americanas.
O Cerrado desempenha um papel fundamental junto às bacias Amazônica, do Tocantins-Araguaia, do Atlântico Nordeste Ocidental, do Parnaíba, do São Francisco, do Atlântico Leste, do Paraná e do Paraguai, sendo vital para oito das 12 regiões hidrográficas instituídas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Além disto, é válido destacar que no Cerrado existem nascentes das três maiores bacias hidrográfica da América do Sul (Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata). No entanto, o maior potencial hídrico do Cerrado não está nas águas da superfície, mas nos lençóis freáticos que estão nas camadas mais profundas do solo.
Porém, a exploração deste potencial hídrico por meio de usinas hidroelétricas tem causado sérios impactos socioambientais. Dentre estes, podemos destacar: perda de biodiversidade, assoreamento, modificação da paisagem, com alagamento de antigas áreas agrícolas e desmatamento. Milhares de famílias estão desabrigadas e lutam por indenização, e por outro lado, o grande contingente de trabalhadores atraídos pelas obras, sem que haja uma infraestrutura social, gera o inchaço das cidades e todas as suas consequências , como aumento da desigualdade social e a exploração sexual.
Outro problema associado à exploração excessiva dos recursos hídricos é a irrigação de grandes monoculturas por meio de pivôs centrais, que representam cerca de 70% do consumo total de água no Brasil. A demanda de água para estas grandes plantações resulta muitas vezes no esgotamento de nascentes e rios e em conflitos com os demais usuários de água que ficam à jusante.
Diante da generosidade e exuberância do Cerrado, as possibilidades de uso da flora nativa são as mais variadas. São inúmeras as espécies que podem ser utilizadas para alimentação, artesanato, remédio, cobertura de casas, fibras, entre outros usos.
A vastidão do Cerrado brasileiro, com sua fauna e flora, lhe conferem o título de savana mais biodiversa do mundo. No entanto, contraditoriamente, é um dos biomas mais ameaçados do país. Estudos desenvolvidos pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apontam que, entre 2002 e 2008, o Cerrado teve uma média de desmatamento anual equivalente a 14.200 km² devastados. Entre 2010 e 2011, a taxa de desmatamento foi de 6.469 km², semelhante a da Amazônia, que foi de 6.451 km².
Os motivos para este quadro preocupante estão relacionados à expansão do agronegócio e ao uso predatório do solo. O MMA aponta a lavoura, em especial a produção de grãos como a soja, e a pecuária como as principais atividades responsáveis por essa devastação. Para se ter uma dimensão do problema, 54 milhões de hectares de Cerrado deram lugar a pastagens e 22 milhões estão ocupados por plantações de grãos. Outra monocultura que ameaça a vida no Cerrado é o eucalipto. Essa espécie tem crescimento rápido e, devido ao grande consumo de água, leva ao secamento de nascentes e à exaustão dos mananciais.
Também se somam como fatores de risco para o bioma as queimadas e a ampla demanda de lenha para a produção de carvão vegetal para a indústria siderúrgica. Vale ressaltar que o desmatamento e as queimadas já devastaram 100 milhões de hectares do Cerrado, ou seja, metade do bioma. Tais práticas de uso do solo são as principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa no Brasil.
Sem acesso aos recursos necessários para sua sobrevivência e sofrendo o impacto de todas essas práticas predatórias, muitas comunidades locais ficam isoladas pelas limitadas possibilidades de permanência, resultando no êxodo rural.