Quando o alimento chega à nossa mesa, muitas vezes, ignoramos que os agricultores familiares são os responsáveis pela produção de cerca de 70% dos alimentos consumidos no Brasil. Segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, 84,4% das propriedades rurais do país pertencem a pequenos agricultores familiares.
São mais de 4 milhões de propriedades rurais, estando metade na região Nordeste. Curioso é ocuparem somente 24,3% da área dos estabelecimentos agropecuários brasileiros, enquanto as propriedades não familiares respondem por 15,6% do total, e ocupam 75,7% da área do país.
A disparidade apontada pelos números mostra os desafios enfrentados pelas populações do campo, como a concentração de riquezas e renda nas mãos de uma minoria, o que provoca o êxodo rural, a dificuldade do acesso à terra, ao crédito e a falta de investimentos em infraestrutura. Esses são alguns dos fatores que levaram grande parte da população a migrar da área rural para as áreas urbanas, causando um desequilíbrio populacional.
O campo também vem sofrendo as consequências do modelo de produção desenvolvido pelo agronegócio, onde a concentração de terra, a monocultura, o uso intensivo de agrotóxicos e a mecanização da produção, com reflexos na redução do número de empregos no campo, são características.
Essa agricultura patronal tem forte representação no Congresso Nacional, a chamada bancada ruralista. Formada por deputados e senadores, a “bancada do agronegócio” interfere na formulação das políticas públicas destinadas ao setor, resultando em perdas consecutivas dos direitos já conquistados pelas populações tradicionais e agricultores familiares. Nesse modelo de produção patronal, o conhecimento popular e as práticas tradicionais de plantio e extrativismo são desvalorizadas.
A resistência dos povos que habitam áreas da Caatinga e do Cerrado está em cada vez mais relacionada com o emprego de práticas agroecológicas, às lutas para que plantações de eucalipto não tomem conta das nascentes dos rios no Cerrado; ou ainda que os grandes projetos de irrigação, como o perímetro irrigado às margens do rio São Francisco, no município de Petrolina (PE), por exemplo, não se apropriem de áreas tradicionalmente ocupadas pela agricultura familiar.
No Cerrado e na Caatinga a produção agrícola familiar também inclui atividades extrativistas. Ao longo do ano, de acordo com as safras, os agricultores coletam espécies nativas para se alimentar, vender ou processar, de modo a complementar sua renda. No Cerrado destaca-se o pequi, o babaçu e o baru como importantes fontes de renda, na Caatinga, o umbu e a carnaúba, entre muitos outros.
Apesar dos interesses econômicos envolvendo a produção de alimentos no país, os agricultores familiares, junto a milhares de organizações da sociedade civil de apoio e assessoria ao campesinato, vêm lutando por seus direitos. Entre as conquistas da agricultura familiar nos últimos anos, destaca-se o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) executado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), criado em 2003 e formulado em parceria com a sociedade civil. Esse programa visa a compra de alimentos da agricultura familiar e de extrativistas e os destina a populações em situação de insegurança alimentar.
Relevantes também são a Lei 11.947 – que possibilita a compra dos produtos da agricultura familiar para a merenda escolar, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar – e o Programa Garantia Safra, que atende famílias agricultoras de municípios do Semiárido onde houve perdas por conta dos períodos de estiagem e seca.
Como forma de reconhecimento e visibilidade da importância da agricultura familiar para a segurança e soberania alimentar das famílias em todo o planeta, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o ano de 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar.